sábado, 26 de junho de 2010

O que é arte?

— Em museu só tem velharia.

Ah, não adianta ir a museus, porque eu não entendo nada de arte.

Arte moderna, nem pensar. Esses ca­ras fazem uns rabiscos, uns borrões e dizem que é arte moderna.

— E as esculturas? Amarram uns ara­mes e ganham prêmios.

Arte é interpretação do mundo

Arte antiga, arte contemporânea, ar­tesanato, arte popular, arte figurativa, arte abstrata. Que confusão! Tudo é ar­te? Ou só o que está no museu? Quem escolhe o que vai para o museu?

Vamos tentar começar do começo, estabelecendo algumas distinções e res­pondendo a uma pergunta de cada vez. Em primeiro lugar, deixemos de la­do essas divisões da arte e pensemos um pouco sobre arte como forma de o homem marcar sua presença, criando objetos (quadros, filmes, musicas, es­culturas, vídeos etc.) que oferecem uma interpretação do mundo tanto quanto uma frase. Só que em vez de dizer as coisas são assim, ele mostra, através da sua criação, que as coisas podem ser assim. Esta, então, é uma das primeiras ca­racterísticas da arte: o objeto artístico fa­la à nossa imaginação, deixa ver/ouvir/sentir o que poderia ser. E, desse ponto de vista, não existe arte verda­deira e arte falsa. Não existe mentira em arte. Porque a arte não existe para mos­trar a realidade como ela é, mas como pode ser. E as faces do poder ser são muitas. Daí, muitos tipos de arte.

Aprofundando um pouco esta idéia, vemos que, no mundo atual, a função da arte e o seu valor não estão no co­piar a realidade, mas sim na represen­tação simbólica do mundo humano.

Assim, a arte também é um dos mo­dos pelos quais o homem atribui senti­do à realidade que o cerca, e uma for­ma de organização que transforma a ex­periência, o vivido, em objeto de conhe­cimento, sendo, portanto, simbólica. (Ver também Prólogo, Aprendendo a ler o mundo, e Cap. 3, O que é conhe­cimento.)

Mas como se dá esse conhecimento?

Do lado do artista que cria a obra, ele parte da intuição, isto é, do conheci­mento imediato da forma concreta e in­dividual da experiência para a simbolização desse conhecimento em um ob­jeto que também é concreto, sensível e individual.

Do nosso lado, de observadores, de público da obra de arte, fazemos o ca­minho inverso: partimos da obra para chegar ao conhecimento de mundo que ela contém. Esse percurso não é fácil. Exige treino da sensibilidade, disponi­bilidade para entendê-la e algum co­nhecimento de história e história da arte.

E como se chega aí? A sensibilidade só pode ser treina­da através da familiaridade com mui­tas, com inúmeras obras de arte. Daí a importância dos museus, que reú­nem e conservam várias obras, para que as pessoas possam ir adquirindo essa familiaridade com estilos, mate­riais, meios e modos diferentes de fa­zer arte.

A disponibilidade é o deixar os pre­conceitos de lado ("não entendo nada de arte"; "arte moderna é um monte de rabiscos"; "esses borrões até eu fa­ço" etc.), é o despir-se de frases feitas e do medo de fazer papel de bobo. É assim mesmo. Sempre que estamos diante de alguma coisa que não conhe­cemos ou não conseguimos entender, nossa reação é de negação e de afasta­mento por termos medo de fazer papel de bobo!

A disponibilidade é isso: o querer en­tender, o deixar que a obra revele os seus sentidos a nós, por mais diferen­tes e inesperados que eles possam ser.

O conhecimento de história nos pos­sibilita encaixar as obras de arte dentro do conjunto de atividades, aconteci­mentos e valores da época em que foi criada e da nossa.

A história da arte faz com que reco­nheçamos escolas, estilos e propostas e até técnicas que nos ajudam a enten­der melhor o que cada obra nos oferece.

Aranha M. L. A. , Martins M. H. P. Temas de filosofia. São Paulo : Moderna, 1992.


Resenha Crítica

A arte é interpretação de mundo.

O texto é envolvente do início ao fim, onde as autoras discorrem sobre as principais questões artísticas que povoam a mente da sociedade atual, apontando diretrizes para uma interpretação mais lógica focalizando no que a arte e os seus símbolos tentam expressar.

Maria Lúcia de Arruda Aranha é professora de filosofia na rede particular de ensino do estado de São Paulo, estrutura o seu texto cadenciadamente em parágrafos ricos e concisos, defendendo a idéia de uma criticidade instruída, repelindo quaisquer formas de críticas preconceituosas.

A abordagem em relação ao artista e seu objeto artístico foi criteriosamente verdadeira, pois o artista cria suas obras de acordo com sua experiência de vida e atribui em suas criações peculiaridades e perspectivas diferentes propondo uma maneira diferente de interpretar o mundo. Também é feliz quando afirma que “no mundo atual, a função da arte e seu valor não estão no copiar a realidade, mas sim na representação simbólica do mundo humano”. Para isso, basta que observemos a progressão evolutiva e linear da arte através dos tempos; iniciada à aproximadamente quinze mil anos atrás nos fundos das cavernas (Altamira, Lascaux, Chouvet entre outras) até os dias de hoje onde a abstração artística rotulada como cubismo, abstracionismo, impressionismo etc..., retomam de certa forma ao estilo homem das cavernas.

Ao contrário da autora, Jorge Coli põe em xeque o conjunto das obras que hoje habitam galerias e museus, também condena a divergência interna da própria forma e de como a crítica é empregada nas obras de arte. Para ele, o crítico clássico como o do período da renascensa italiana era um mestre na arte em que o próprio estava disposto a julgar, conhecendo todas as etapas do processo artístico, o verdadeiro saber fazer do objeto; o que hoje não faz-se mais nescessário desde que o crítico analise a obra de forma científica dentro de um contexto inteligível.

Comprova isso analisando o passado severo dos impressionistas Cézanne (Jogadores de Cartas), Van Gogh (O Céu Estrelado), e muitos outros cujos quais foram duramente reprimidos pelos críticos de arte de sua época, somente foram reconhecidos mais tarde; em contrapartida, pintores como Meissonier (Ernest) e Gervex (Café), tiveram grande importância em sua época, mas pouco ouve-se falar em seus nomes atualmente, tampouco encontram-se suas obras em museus.

De um modo geral, a arte é um fenômeno cultural, regras absolutas não sobrevivem ao longo do tempo; mas em cada época, diferentes grupos (ou cada indivíduo) escolhem como devem compreender esse fenômeno.

Sem mais, a resenha tem por objetivo fomentar ao estudante ou mesmo curioso de arte a busca pela criticidade consciente, livre de quaisquer formas de preconceitos a fim de aprimorar ainda mais o complexo processo da construção do conhecimento.

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